Sobre a Transição e Confusão Feminista



A transição dos tempos traz um fardo pesado às mulheres: a impossibilidade de lidar de forma clara com as heranças de identidade e os apelos do mundo contemporâneo. Hoje, a supremacia da privacidade, da exaltação do “ser individual”, não pertence tão somente ao sexo masculino. As conquistas das mulheres ocidentais no decorrer dos dois últimos séculos, corroborou atitudes de afirmação da personalidade que, para o deleite dos machistas de plantão, evidencia uma confusão na prática dos papéis sociais para nós mulheres. Gosto de me colocar como um bom exemplo desta realidade. Eu, como uma mulher típica do meu tempo, vivo um período de transição que me faz pensar ser um dos mais confusos, ao menos na história do meu sexo.
Cada vez mais se vê nos dias atuais mulheres independentes, muitas bem sucedidas… sozinhas. Lê-se nas mais variadas interpretações desta atual conjuntura, que as mulheres de hoje são mais exigentes que outrora. Me parece que essa explicação simplista não abarca a profundidade e importância do que vivemos em nosso tempo, para as relações sociais, principalmente no que tange às relações de gênero.
As mulheres, em muito pouco tempo, modificaram sua forma de ver e se colocar no mundo. Isso é um fato. Mas ao meu ver a realidade dessa maneira de ser e estar é muito mais complexa que a realidade aparente dos olhares menos observadores. A mulher deste tempo está condicionada às facetas das singularidades exaltadas tanto quanto os homens. Mas a busca por esta individualidade excessiva pesa em nossas vidas, em muito maior escala, que para nossos opostos em gênero. E posso dizer, mesmo sem querer parecer feminista, mas de uma certa forma deixando às claras essa subjetividade, a “culpa” está na limitação do homem de nosso tempo que, para sua própria infelicidade ou descontentamento, não consegue acompanhar as transformações que redundam no que estamos nos tornando hoje. Nós mulheres saímos de uma realidade de submissão para uma outra que nos coloca em um lugar que causa medo e confusão aos andarilhos errantes. Por mais incrível que possa parecer, mesmo que inconscientemente, a maioria dos homens ainda confundem independência com falta de doçura ou afetuosidade, se afastando em disparada daquelas que assim lhes aparece. São ainda poucos aqueles que reconhecem nossos talentos e posições diante da vida. Reconhecer nossos belos atributos (e não falo aqui de seios e bundas), é quase um atestado de fraqueza para estes homens.
Onde está o problema dessa nova abordagem? Ao menos para nós mulheres são muitos. A idéia de mulher independente acaba por confundir-se com a mulher que parece não precisar de determinados cuidados. A mulher de hoje dá conta de segurar qualquer barra “passando” a impressão que não precisa de seu companheiro. O que entendem nossos companheiros do sexo oposto é que temos poucas fraquezas ou nenhuma (ou não podemos tê-las), já que nossa opção é tomar as rédeas da própria vida.
Aos poucos conseguimos nos fazer notar como “seguras de si” e, por ironia do destino, acho que hoje tentamos fazer um percurso inverso: Queridos homens. Não somos iguais a vocês. Não perdemos a nossa doçura, nossos instintos naturais, nossa necessidade de nos sentirmos acarinhadas e cuidadas. Não perdemos o nosso direito à debilidade por que devemos ser fortes para enfrentar as imposições de nosso tempo. Apenas colocamos em voga a nossa vontade de nos sentir admiradas por algo além de nossos atributos sexuais ou domésticos. Uma vontade que não deixa de estar conjugada à necessidade de ser tomada com leveza, de querer proteção ou colo.
Pobres mulheres lindas, resolvidas ou nem tanto, bem sucedidas ou no caminho do sucesso e ainda assim ardentes de paixão e desejosas de cuidados. Pobres homens reféns cegos da ortodoxia.
Texto: Luciane Trevisan Leal

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Reinventar-se?

Homen Vitruviano - Leonardo Da Vinci




Por que lutar contra sua própria constituição? É uma questão que gostaria de saber responder. Talvez, esta batalha, esteja no cerne da transição perene que é a vida humana: O homem imbuído de si mesmo, constituído da fragilidade ante suas crenças, se questionando, se refazendo, reconstituindo-se a todo momento. Em alguns casos, acredito não ser absurdo dizer que esta transição nos coloca próximos aos limites da loucura. A loucura como inadequação de viver num tempo que parece não ser seu. Uma confusão de ser e estar onde não se quer.
Talvez para nós do início do século XXI, reféns da velocidade das transformações em todos os setores da vida, seja mais difícil que para nossos antepassados, entender o nosso lugar no tempo e no espaço. Ocupamos um lugar, que muitas vezes não é nosso, pela impossibilidade de encontrar mecanismos para fazê-lo nosso de fato. A velocidade das transformações do tempo atual nos impõe uma busca incessante por um espaço onde caibamos, na medida em que, quanto mais perto chegamos da crença de tê-lo encontrado, mais visível nos fica o quanto ele está distante. Isso ocorre porque, o mundo caminha em um velocidade sempre superior àquela que podemos acompanhar. Grande quantidade de informações, muitas vezes desencontradas e inúteis, tendo a tecnologia à serviço do conhecimento mas também de muita porcaria; conexão com um mundo globalizado e desconexão com a vivência do que está ao alcance; desigualdade material aumentando na mesma medida em que crescem as propagandas pelo consumo desenfreado na rede e nos meios de comunicação; valores relativizados e esquecimento do simples; desprezo pelo espanto, pelo encantamento; apelo pelas relações superficiais e maior comprometimento com o ego e com a competição.
A tamanha velocidade com que as mudanças ocorrem nos leva a chegar sempre a um ponto onde já estamos atrasados. Um objetivo, quando alcançado, já não produz significado, já que há sempre algo novo para ser colocado naquele lugar. Passamos então a acreditar em uma idéia de vida sem sentido. A busca por este sentido, certamente subjetiva, vinculada às nossas percepções de ser e se colocar no mundo, perde as referências mínimas.
Como não conseguimos dar conta do que somos e de onde estamos ou queremos chegar, e tudo nos parece vazio de significado criamos mecanismos de fuga para escapar daquilo que não podemos apreender. Nos distanciamos, fugimos do que não acompanhamos, nos isolamos dos outros. Transformamo-nos cada vez mais em pessoas absurdamente individualistas, impondo limites equivocados ao privado. Por fuga! E unicamente por ela.
Em um momento onde essa individualidade chega ao ápice na prática cotidiana, viver em sociedade tem se transformado no desafio do momento. Na grande maioria das vezes, entendemos que nossas relações são possíveis somente através do uso de máscaras e caímos no vazio da falta de certezas, objetivos e autenticidade ao lidar com o outro. Nos rendemos ao ostracismo para escapar da superficialidade de nosso tempo e, ao mesmo tempo, contribuímos com sua perpetuação, já que ajudamos a tecer os modelos de vida cotidiana que abominamos.
De qualquer maneira, algo curioso se faz evidente. A mesma incapacidade que temos em conviver em meio às relações que nos atordoam, é identificável no empenho de se realizar o ser exaustivamente solitário. É curioso e ao mesmo tempo óbvio. Somos o que somos, por que estamos nos relacionando com nosso entorno e até para não querer fazer parte dele precisamos nos perceber nele. A incapacidade de se definir essa linha tênue entre a relação com o mundo e com nós mesmos é o que nos sabota. Nesse sentido reinventar-se pode na verdade significar fazer desmoronar parte do edifício que construímos ao longo de toda uma vida.
Texto: Luciane Trevisan Leal




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Sobre o Uso do Imperativo a Seu Favor

Amor - Michelangello
Compactue com seu espaço. Interaja com o planeta, com nossa Galáxia. Tome parte das mudanças que estão ocorrendo de forma cada vez mais veloz. Entenda, de uma vez por todas, que você é parte de algo muito maior. Permita-se ter a dimensão dessa grandeza, contemple a infinitude. E assim compreenda o quanto outras coisas são tão menores. Seja grande, a partir do entendimento do quão pequeno és.
Muna-se da força, mas não deixe de mostrar o quanto pode ser fraco e o quanto precisa da força do outro. Doe-se, seja solidário, mesmo com aqueles que você não ama, mas não se perca em meio à sua solidariedade. Não silencie suas dores, para que não sofras de padecimento maior com certas ausências. Ame a quem te ama. Valorize quem te valoriza. Deixe-se iludir, e não deixe-se violentar. Entenda-me: a ilusão é parte integrante da vida de fato vivida e a violência, muitas vezes, está em não se permitir iludir.
Sinta mais. Racionalize menos. Desde de que isso não faça mal ao ambiente que te cerca. Quando pensar, pense depressa e fale devagar. Escute demais e fale de menos.
Leia, leia, leia. Agarre-se à sua curiosidade. Não se permita viver na mesmice. Ela cega, aleija, impede o movimento rumo ao novo. Leia de tudo, ouça de tudo e crie um senso crítico que te permita saber onde está pisando.
Esteja de fato no mundo, e permita que ele te receba. Viva de maneira intensa, já que não sabe quanto tempo ainda te resta. Faça do tempo seu aliado e não seu inimigo. Aprenda com ele, e não se amargure com as impossibilidades que ele te apresenta.
O mundo contemporâneo nos impõe uma necessidade de se proteger todo o tempo. Nos protegemos de nossos amigos, de nossa família, de nosso parceiro. De nossa cidade, de nossos vizinhos. Nos protegemos da decorrência de nossas angústias, de nossas insatisfações. Nos protegemos de nós mesmos, com mais empenho do que nos encorajamos para a realização de nossos sonhos. Não se proteja tanto: sonhe! E não sonhe em vão: realize.
Não espere que o outro mude. Acredite-me! Não mudará. Ao menos aos seus olhos não mudará. Quem deve mudar é você. Mude a sua relação com a perspectiva da mudança do outro. Não jogue fora seus valores, mas aprenda a conviver com eles. E aprender a conviver com eles passa por não julgar os valores daqueles que te parecem contrários. Aprenda a apreender o que há de melhor no outro. E para isso, muitas vezes, é preciso se desprender de seus conceitos sobre o que é de fato o melhor.
Trace objetivos. Siga metas. Tenha retidão na vida. Mas não esteja distraído! Note que a curva no caminho apresenta boas oportunidades e possibilidades. Esteja atento a elas. Escolha a que melhor lhe couber. Eleja a mudança de trajeto que te levará onde você quer chegar, e ainda te trará uma nova paisagem para contemplar e talvez outras surpresas, que vêm acompanhadas da brisa suave que sopra de um lugar desconhecido.
Faça história, mas não permita que sua vida seja só mais uma história. Faça a diferença! Seja para você mesmo, para àqueles que você ama, para os que você não ama, para a rica natureza a seu redor. Você muitas vezes vai sair ferido, vai sentir falta de abrigo e alguém para curar suas feridas. Vai sentir vontade de esquecer e vai odiar não se lembrar. Vai implorar por um momento só e vai ao mesmo tempo amaldiçoar sua solidão. Vai se sentir um dublê de si mesmo, e na mesma medida um grande protagonista de sua própria vida. 
É assim, isso é existir. Que graça teria se não fosse assim?

Texto: Luciane Trevisan Leal

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Sobre a Hipocrisia

O Grito - Edvard Munch

( Faz um ano e meio que isso foi escrito. Não me lembro exatamente o que me aconteceu. Mas dá pra notar que estava péssima nesse dia !!!)

Essa turba de egocêntricos move-se envolta em suas máscaras de doçura e grandeza enquanto a avareza de sua alma é encoberta. Na esteira de suas manifestações públicas se esconde a primazia de suas posições: seus preconceitos, suas ambições, sua sujeira interior, ficam ocultas no invólucro de aparências que a imbecilidade alheia entende por beleza ou leveza de ser.
A individualidade, tão exaltada nos últimos séculos, deixou um legado de egoísmo, mentira, covardia e ingratidão. E a Era da Privacidade produziu e continua a produzir uma demência individual que cria indivíduos totalmente voltados para si em detrimento do outro, da natureza, do futuro do planeta. A busca por ajuda emocional confirma a agonia de quem não consegue lidar com essa faceta de nossos tempos: a exaustiva consagração do ego. Que Nietzsche me perdoe, mas a morte de Deus, pelo que se vê, não trouxe benefícios para a humanidade. Somente manifestações do politicamente correto não dão conta da construção de atitudes coletivas que poderiam frear a destruição do planeta e o extermínio da alma humana. E quando penso o aniquilamento da alma, quero dizer alma na essência de seu significado. Essência!!! No mínimo desprovido de razão falar de essência no tempo do relativismo. Sem querer reduzir discussões filosóficas de mais de vinte séculos, a essência humana pode ser vinculada ao significado de essência em si, pureza? Mas como tratar de uma possível profundidade da alma humana, essencial e pura, em um tempo onde o relativo norteia as relações, a ciência e os valores morais e éticos?
A pureza de alma está longe de ser pleiteada. Nós, indivíduos do mundo contemporâneo, estamos muito preocupados com nossos quereres prosaicos, o que nos faz nadar na direção da corrente... de águas geladas, rasas... mas abundantes.
O trivial de hoje talvez seja o absurdo de amanhã. Pensar assim é uma insistência mental positiva. Há que se seguir uma lógica que não seja esta do relativismo contemporâneo. Talvez por que este último, é perceptível, não está dando certo. Ou por que há mesmo uma necessidade de se recriar diretrizes básicas que possam proporcionar vida no seu sentido mais completo. A destruição da alma promove a destruição do ser no mundo e do mundo que acolhe o ser. Uma reafirmação ética e moral (não falo de moralismos) talvez possam reduzir o estrago. Esteja essa reafirmação na religião, no direito, ou esteja ela nos vários setores que compõem a organização social como um todo, ela é urgente.

Texto: Luciane Trevisan Leal

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