Quem é você de fato?


Você ouve e lê: alguns, somente.
Não permite a possibilidade da concordância ou discordância entre nós. Pois não reescrevo o que escrevem os grandes, os afamados. Não compartilho de seu gosto literário, intelectual e artístico, único e seletivo! Não sou aquela que faz gosto em reverberar as vozes que se apresentam originais mas continuam incansavelmente ecoando sons tão similares.
Você não me lê seriamente. Sou um anônimo que se equivale ao inexistente no mundo aparente, no lugar do tempo do marcketing e do estardalhaço que faz uns grandes e outros pequenos. Por mais que você aprecie como poucos a possibilidade de novas interpretações, minha novidade é velha. É discrição e sutileza antigas no aparecer, que precisa utilizar-se dos meios contemporâneos para se fazer ver. Única possibilidade!
Ah... os meios contemporâneos! Estes que critica, mas despreza o fato de também você absorvê-los em seus interesses.
É, definitivamente! Você não me lê cuidadosamente, pois não pretendo reproduzir um mesmo saber, que por mais que não seja do senso comum – marginalização do intelecto –, é comum senso entre as grandes cabeças de um circuito fechado – pensante elite que não é o mesmo que elite pensante.
Na verdade, penso que você não deveria se preocupar tanto em ser, ao menos de vez em quando, “humano, demasiado humano”. Você tem autorização do cosmos para isso... mesmo que não a obtenha de seu ego. Você pode contrapor-se às expectativas e se entreter, quantas vezes e no tempo que quiser, com o mesmo que o mundo todo interage, com o mesmo ao que todo mundo reage. Isso não o fará menor. Por mais que os conterrâneos do lugar que você avidamente precisa e quer fazer parte achem um tanto... senso comum demais!
Quem é você afinal? O intelectual de hoje? É, é sim, um acadêmico, espelho do seu tempo mais do imagina! Se entende como um formador de opinião original, mas é na maioria das vezes, alguém opinando com a opinião dos outros. Grande parte de seu tempo – com os créditos que não acabam mais –, é utilizado em favor de um mundo “mais pensante”... que pensa não ignorar o ignorado, quando na verdade, para não ser o desabonado em questão, faz coro as mesmas ignorâncias. E assim... repetindo, para ser repetido, reproduzindo, para que te reproduzam e não se sinta fora do jogo o que, contraditoriamente, em suas produções intelectuais critica.
Pergunto: você seria sincero o suficiente consigo mesmo, para pensar que na mesma proporção dos alienados da mídia, há em qualidade, por mais que não em números, os alienados da restrita elite acadêmica e artística? Você me chamaria de louca por assim perguntar – de marxista sei que vai me rotular pelos termos já usados - se não seria loucura maior acreditar que alienação é todo o contrário prático às teorias que você faz questão de reproduzir, sem de fato observar com cuidado a possibilidade de execução na vida cotidiana, no lançar-se e estar no mundo que você também é? Evidentemente que a teorização e a arte parecem permear o patamar da abstração que tenta refletir o mundo. Mas não seria prudente pensar que um esforço para não parecer exatamente como o social execrável que redunda dos seus escritos ou fala, seria um tanto, deixe-me pensar... de pertinente a exemplar? Fico me perguntando se você seria sincero o suficiente consigo mesmo para afirmar que há uma igual predisposição de alienação vinculada ao grupo no qual você pode, voluntariamente, escolher estar, quando que comparado ao grande grupo da social apatia às suas habilidade teóricas, predisposições cognitivas e criticas? Você que pensa tão bem “a metafísica do real e a física do imaginário”, seria capaz de se encaixar e se auto-avaliar dentro do concreto habitual?
Sabe, amigo, vejo essas contradições nas universidades, nos congressos, na arte e na mídia que se coloca acima do trivial. Vejo as mesmas historinhas, os mesmos grupos se acreditando diferentes porém tão iguais nos discursos, por mais que amplamente sedutores na forma. A fórmula da forma é a mesma. A condição humana é a mesma: o homem crítico é o crítico de determinado grupo. É o homem crítico do tempo, perpassando o próprio tempo por sua condição tão humana, que não abarca a capacidade devida para apreender – diga-se em adição, viver – tudo o que nos faz seres no espaço-tempo. Infelizmente, este homem não é, e não pode ter autonomia, neutralidade crítica o suficiente para se ver, olhar para si dentro do mundo que ele próprio contradiz. 
Que coisa!
Obviamente que assim, também o sou...
Mas... então, por favor, não me venha com churumelas! Não sou melhor que o meu vizinho, nem você e melhor do que aquele que se avizinha à sua crença e aplaude sua grande performance! Não me venha com essa de que a sua minoria – os papéis sociais de hoje se inverteram, não que eu discorde do benefício proveniente dessa transformação – é melhor que a grande maioria.
Quem é você, meu amigo, senão apenas mais um, com um rótulo mais admirável em alguns circuitos restritos? É homem que pensa mais, logo existe mais? Você não é menos humano que qualquer um que transita por entre locais que possivelmente, nunca passará. Acorde para sua existência tão significativa e pouco significante, como a de qualquer um que despreza. Você não é tão diferente ou especial quanto imagina!
Sabe! Relendo esse texto, percebi que as linhas e entrelinhas servem também aos religiosos, que se dizem autoridades detentoras da grande verdade! Percebi ainda que se encaixa perfeitamente aos políticos e empresários que usam e abusam de sua pobre retórica, muito bem aplicada. Acredito que caiba ainda, para todos os que se voluntariam a se relacionar conosco. Ou mesmo aqueles com quem temos que involuntariamente, conviver.
Poxa, que constatação óbvia! Como somos todos diferentes, e ao mesmo tempo tão iguais, em meio às demandas do tempo de nossas vivências, não e mesmo?!


Texto: Luciane Trevisan Leal

4 comentários:

Marcelo Moreira disse...

Caramba!
Texto difícil, porque em sua denuncia (acertada e honesta, diga-se) deixa farpas nos dedos de quem o opera (nos olhos de quem o lê). Merece múltiplas leituras, em busca de maior compreensão do que aí se expõe!
Fico eu acima da crítica apenas por não ser humano (moro no Brasil e não gosto de futebol. Isto basta! Não? rs)!
Tanto religiosidade, de um lado, quanto (pseudo)intelectualidade, do outro, escondem uma triste possibilidade! Raros são os autênticos religiosos ou pensadores! No mais, aglomeram-se naqueles ambientes espectadores dos "Big Brother's" das vida, ávidos por serem os mais vulgares da vulgaridade, mas tendo uma incompetência prática qualquer, simulam preferir o "superior"!

Luciane disse...

"Deixar as farpas no dedo de quem opera" e na mesma proporção de quem lê. (é exatamente isso). A ideia é que estas farpas atrevessem os olhos,de quem só lê o que é bem quisto,e os dedos, de quem só produz, ou reproduz, o que todos querem ler (ainda que todos, aqui, signifique uns tantos de um mesmo grupo).
Agora, mais ainda: talvez queira deixar que as farpas sejam uma pequena pontada de dor no ego. Uma dorzinha de nada que é razão de um olhar para si que, arbitrariamente, dispensamos, pq é do nosso agrado.
Não sei! Existem muitos pseudo-intelectuais. Mas não sei se de fato somos nós "alguns poucos" tão autênticos no quer que seja, ao menos quando autenticidade significa se aproximar de padrões bem definidos em certos grupos disso ou daquilo. Acredito numa autenticidade tão própria de determinado grupo que se encerra alí, perdendo a riqueza das muitas outras "autenticidades". O que quero dizer aqui é que, sendo autênticos ou não na maneira como nos entendemos diante do mundo e nele, somos uma contradição ambulante por defender com um discurso muito parecido, justamente oque tentamos combater com nossas produções. Ex: se eu te disser que gosto de big brother, vc vai deixar de me ler? (Fique tranquilo, rsrs. EU ODEIO! Será que estou me defendendo? rs) Mas citando o big brother, já que o citou no comentário: Por que aqueles que assistem Big Brother não podem ter alguma coisa a dizer de fato relevante? Porque precisam se defender por gostar do que gostam? Por que, para ser um pensador digno de nota, o cara não PODE gostar de BBB, ou de funk, ou de tudo que é americanizado, ou de qualquer coisa que não se encaixe em um circuito alternativo? Por que, para ser pensador ativo e significativo,o cara precisa se encaixar em determinados "parâmetros" do grupo dos ditos pensadores? Se encaixar em determinados parâmetros não é alimentar um discurso que contradiz a ideia de padrões pré-estabelecidos que qualquer pensador abomina?
É mais ou menos por aí.
Grande abraço e não poderia deixar de dizer: adoro essa troca e disponibilidade para discussão.

Luciane disse...

Continuando... de fato, vc não é humano, nem eu! Não gostar de futebol no país do futebol é quase uma afronta à própria identidade...rs.
Bjs

Marcelo Moreira disse...

Boa Tarde!!!
Me perdoe a demora em responder! Foram dias bem agitados!!!
Enfim, não obstante o meu desprezo pelo BBB (com efeito, julgo vão 99% do usual da vida humana), a minha queixa não se direciona, neste momento, aos consumidores de tal tipo de programa, mas justamente aos perseguidores destas pessoas! Fico me perguntando se quando um destes pseudo-intelectuais ou pseudo-religiosos condenam determinada prática (ex:curtir funk, assistir BBB, etc.) possuem realmente alguma fundamentação que justifique tal postura ou se, na verdade, desejam eles mesmos ver (quiçá tocar) as garotas que rebolam ao som do funk mas, impossibilitados por um motivo qualquer, simulam aversão à tal atividade! Passamos às manifestações da Hipocrisia! Foi a isto que apontei ao dizer "No mais, aglomeram-se naqueles ambientes espectadores dos "Big Brother's" da vida, ávidos por serem os mais vulgares da vulgaridade, mas tendo uma incompetência prática qualquer, simulam preferir o "superior"!"
Eu mesmo posso ser exemplo disto, pois cresci anunciando minha aversão ao futebol, mas quem sabe não é isto uma máscara para esconder/justificar minha inaptidão ao manejo (ou seria "pelejo"? rs) da bola???
No mais, a discussão sobre o gosto remonta aos pré-socráticos! Minha vontade de explodir o carro do sujeito que passa na rua tocando funk em altura que dispara o alarme do meu próprio carro é justificável??? Meu gosto é mesmo mais apurado que o dele? Por que?
Eu poderia apelar à razão e com ela dizer que o trabalho poético da MPB ou a riqueza harmônica da música erudita são por si comprovações da inferioridade do funk com suas letras promiscuas e batidas repetitivas! Mas isto não encerraria o assunto, pois meu apelo à Razão pode ser apenas outra máscara sob a qual escondo minha inaptidão para as atividades seculares!

 

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