Reinventar-se?

Homen Vitruviano - Leonardo Da Vinci




Por que lutar contra sua própria constituição? É uma questão que gostaria de saber responder. Talvez, esta batalha, esteja no cerne da transição perene que é a vida humana: O homem imbuído de si mesmo, constituído da fragilidade ante suas crenças, se questionando, se refazendo, reconstituindo-se a todo momento. Em alguns casos, acredito não ser absurdo dizer que esta transição nos coloca próximos aos limites da loucura. A loucura como inadequação de viver num tempo que parece não ser seu. Uma confusão de ser e estar onde não se quer.
Talvez para nós do início do século XXI, reféns da velocidade das transformações em todos os setores da vida, seja mais difícil que para nossos antepassados, entender o nosso lugar no tempo e no espaço. Ocupamos um lugar, que muitas vezes não é nosso, pela impossibilidade de encontrar mecanismos para fazê-lo nosso de fato. A velocidade das transformações do tempo atual nos impõe uma busca incessante por um espaço onde caibamos, na medida em que, quanto mais perto chegamos da crença de tê-lo encontrado, mais visível nos fica o quanto ele está distante. Isso ocorre porque, o mundo caminha em um velocidade sempre superior àquela que podemos acompanhar. Grande quantidade de informações, muitas vezes desencontradas e inúteis, tendo a tecnologia à serviço do conhecimento mas também de muita porcaria; conexão com um mundo globalizado e desconexão com a vivência do que está ao alcance; desigualdade material aumentando na mesma medida em que crescem as propagandas pelo consumo desenfreado na rede e nos meios de comunicação; valores relativizados e esquecimento do simples; desprezo pelo espanto, pelo encantamento; apelo pelas relações superficiais e maior comprometimento com o ego e com a competição.
A tamanha velocidade com que as mudanças ocorrem nos leva a chegar sempre a um ponto onde já estamos atrasados. Um objetivo, quando alcançado, já não produz significado, já que há sempre algo novo para ser colocado naquele lugar. Passamos então a acreditar em uma idéia de vida sem sentido. A busca por este sentido, certamente subjetiva, vinculada às nossas percepções de ser e se colocar no mundo, perde as referências mínimas.
Como não conseguimos dar conta do que somos e de onde estamos ou queremos chegar, e tudo nos parece vazio de significado criamos mecanismos de fuga para escapar daquilo que não podemos apreender. Nos distanciamos, fugimos do que não acompanhamos, nos isolamos dos outros. Transformamo-nos cada vez mais em pessoas absurdamente individualistas, impondo limites equivocados ao privado. Por fuga! E unicamente por ela.
Em um momento onde essa individualidade chega ao ápice na prática cotidiana, viver em sociedade tem se transformado no desafio do momento. Na grande maioria das vezes, entendemos que nossas relações são possíveis somente através do uso de máscaras e caímos no vazio da falta de certezas, objetivos e autenticidade ao lidar com o outro. Nos rendemos ao ostracismo para escapar da superficialidade de nosso tempo e, ao mesmo tempo, contribuímos com sua perpetuação, já que ajudamos a tecer os modelos de vida cotidiana que abominamos.
De qualquer maneira, algo curioso se faz evidente. A mesma incapacidade que temos em conviver em meio às relações que nos atordoam, é identificável no empenho de se realizar o ser exaustivamente solitário. É curioso e ao mesmo tempo óbvio. Somos o que somos, por que estamos nos relacionando com nosso entorno e até para não querer fazer parte dele precisamos nos perceber nele. A incapacidade de se definir essa linha tênue entre a relação com o mundo e com nós mesmos é o que nos sabota. Nesse sentido reinventar-se pode na verdade significar fazer desmoronar parte do edifício que construímos ao longo de toda uma vida.
Texto: Luciane Trevisan Leal



4 comentários:

Unknown disse...

meninaaaa amei os textos! Parabéns. Visitarei sempre. Bjs

Lilian disse...

Muito bom, aliás, todos eles, beijos!

Anônimo disse...

Luciane,

Interessante. Sua percepção da relação entre tempo e modernidade tem tudo a ver com o que penso.

A velocidade e o excesso de informação faz ter a sensação perdas e de aniquilamento da individualidade.

É por esse motivo que muitas pessoas estão deprimidas, mas não diagnostica a razão.

Abraços.

Игорь disse...

Você escreve muito bem .

Bom de ler.

Bom pra pensar .

beijos

 

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