Discurso que Legitima o Crime



Na fala política e de alguns atores do cenário cultural e acadêmico brasileiro, há um encorajamento de discursos superados, que não dão mais conta de explicar as razões para tamanha barbárie a que todos nós estamos absolutamente vulneráveis e reféns na “Cidade Maravilhosa”: são os discursos que polarizam a sociedade, dividem seres humanos tendo como base valores econômicos; falas ultrapassadas que nas entrelinhas só fazem justificar as atitudes de desprezo à sociedade de direito, às regras de boa convivência, às formas civilizadas de coexistência social.
As ideias engendradas nas mentes doentes dos mandantes do crime organizado, são quase que legitimadas, pela lógica não menos patológica, daqueles que formam opiniões e que forjam os discursos que serão reproduzidos. De braços dados a eles, toda a sociedade, todos nós, que reproduzimos estes discursos, também culturalmente imersos na “síndrome da vítima”, tratamos ricos como algozes e pobres como sofredores, não cansando de reafirmar a sociedade do ter e não do ser. Mesmo tecendo críticas mordazes ao consumo desmedido, continuamos agregando valor à esta mentalidade na medida em que nos empenhamos para cada vez aparentar mais e mais status social. Defendemos a ideia da realização plena das vontades, da obrigação pelo sucesso, em todas os setores da vida, mas com empenho particular no que se refere ao sucesso material que em virtude da estrutura social na qual estamos inseridos, parece a maneira mas fácil de se sentir bem sucedido também nos outros setores da vida.
Esta valorização das realizações pessoais, da efetivação dos queres – tratando aqui das vontades mercadológicas –  incutidas na mentalidade da sociedade capitalista, reafirma e produz na mente destes jovens, aprendizes de marginais, exatamente a mesma demanda de todos nós, ditos homens de bem: os bens de consumo vendidos pelo marketing, sucesso, poder. Os desejos são os mesmos, mudando apenas de endereço e dos meios de se alcançar a realização destas vontades. Estes meios sim, me parece, são passíveis de serem diferenciados em função de classe, mas são secundários diante da complexidade das estruturas mentais de nossa sociedade que valoriza a ideia de bem estar garantida pelo dinheiro e pelo sucesso. Isso sim, ao meu ver, está na raiz dos nossos maiores problemas e certamente perpassa a polarização de classe, tão enfatizada como justificativa de nossas mazelas.
Este tipo de pensamento leva jovens adolescentes a levantarem bandeiras contra o Estado e a sociedade, entendidos por eles como inimigos. Estes jovens, imbuídos da mesma ideia de realização plena dos desejos, somente fazem reproduzir o mesmo discurso e atitude de todos nós, não aceitando a impossibilidade da realização de suas vontades, partindo então para a criminalidade, e introjetando de bom grado as justificativas sociais que polarizam a sociedade entre ricos e pobres legitimando suas atitudes de barbárie.
Pergunto até quando a sociologia de esquerda vai continuar justificando as atrocidades praticadas por esses meninos com o discurso da falta de oportunidades? Até quando reproduziremos a mentalidade vigente que serve de alicerce ainda, às políticas assistencialistas caça votos? O investimento em educação no Brasil, no caso do ensino médio, transita pela faixa dos R$ 2500 reais aluno/ano. Enquanto não houver investimento massivo em educação, única possibilidade de introduzir na sociedade mentes pensantes e críticas empenhadas antes em ser para depois ter, continuaremos assistindo indignados os meios usados por cada classe social na tentativa de suprir seus ímpetos consumistas, de sucesso e de exercício de poder.


Texto: Luciane Trevisan Leal
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Quisera ser eu o seu outro... eternamente


Não há nada em mim que me difira dos demais mortais.
Não há nada de glamuroso em mim que não possa se desfazer por intermédio do seu olhar crítico.
Não há nada de especial, nada de tão particular que possa ser considerado único.
E se ainda assim, tendo eu dito todas as coisas que disse a meu respeito, você encontrasse algo de singular em mim, eu diria ser apenas uma projeção do seu eu… querendo ser diferente.
Um desejo de diversidade que você julga, pode completar o vazio que da sua alma emerge.

Se não fosse eu a atravessar seu caminho, seria um outro qualquer.
Um objeto de desejo que nada mais é senão… aquele que não você.
Então… Que seja eu o seu outro.
Sem perceber você vai se enfadar da projeção de si que o fará desistir de mim.
Vai desistir de quem deseja ser mas não é, de quem deseja obter mas não tem.
É certo. Você vai optar pela desistência da sua fantasia momentânea, que já não te preenche.

Logo você substituirá o seu não ser.
Abdicará do seu outro de agora, e colocará no lugar o desejo pelo seu outro de daqui pra frente.
Você vai desistir de mim porque a instância de tempo que compreendia seu idealismo vai passar.
Como tudo passa.
E outro momento trará outro “tempo de você” e outra projeção de desejos e paixões, outra projeção do seu não ser.
E será neste momento que você prescindirá oque outrora fora sua glória ou sua ruína.
Que ótimo para você.
Que bom para quem ocupará este lugar.
Que pena pra mim!

Lido com isso, com um pé na filosofia e outro na arte.
Resisto com alguma eficácia, mantendo o pensamento ponderado pela razão, mesmo que algumas atitudes estejam modeladas pela tragédia.
Desvitalizo a existência morna e vivifico a música.
Porque só na arte é possível um encontro com o desvario que atenua a realidade.
Já que me defrontar com ela é por demasiado insuportável de lidar.

Deixo então viver, da pulsão de autodestruição que nem cabe no respaldo do que se diz inconsciente.
Nada pode ser mais tristemente consciente que a tentativa de me manter como seu outro.
Nada pode ser mais tristemente consciente do que também eu projetar um outro de mim naquele, de quem um dia, deixarei de ser o devir.  

Texto: Luciane Trevisan Leal

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