Quisera ser eu o seu outro... eternamente


Não há nada em mim que me difira dos demais mortais.
Não há nada de glamuroso em mim que não possa se desfazer por intermédio do seu olhar crítico.
Não há nada de especial, nada de tão particular que possa ser considerado único.
E se ainda assim, tendo eu dito todas as coisas que disse a meu respeito, você encontrasse algo de singular em mim, eu diria ser apenas uma projeção do seu eu… querendo ser diferente.
Um desejo de diversidade que você julga, pode completar o vazio que da sua alma emerge.

Se não fosse eu a atravessar seu caminho, seria um outro qualquer.
Um objeto de desejo que nada mais é senão… aquele que não você.
Então… Que seja eu o seu outro.
Sem perceber você vai se enfadar da projeção de si que o fará desistir de mim.
Vai desistir de quem deseja ser mas não é, de quem deseja obter mas não tem.
É certo. Você vai optar pela desistência da sua fantasia momentânea, que já não te preenche.

Logo você substituirá o seu não ser.
Abdicará do seu outro de agora, e colocará no lugar o desejo pelo seu outro de daqui pra frente.
Você vai desistir de mim porque a instância de tempo que compreendia seu idealismo vai passar.
Como tudo passa.
E outro momento trará outro “tempo de você” e outra projeção de desejos e paixões, outra projeção do seu não ser.
E será neste momento que você prescindirá oque outrora fora sua glória ou sua ruína.
Que ótimo para você.
Que bom para quem ocupará este lugar.
Que pena pra mim!

Lido com isso, com um pé na filosofia e outro na arte.
Resisto com alguma eficácia, mantendo o pensamento ponderado pela razão, mesmo que algumas atitudes estejam modeladas pela tragédia.
Desvitalizo a existência morna e vivifico a música.
Porque só na arte é possível um encontro com o desvario que atenua a realidade.
Já que me defrontar com ela é por demasiado insuportável de lidar.

Deixo então viver, da pulsão de autodestruição que nem cabe no respaldo do que se diz inconsciente.
Nada pode ser mais tristemente consciente que a tentativa de me manter como seu outro.
Nada pode ser mais tristemente consciente do que também eu projetar um outro de mim naquele, de quem um dia, deixarei de ser o devir.  

Texto: Luciane Trevisan Leal

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